Entenda acordo que evitou condenação de vereador após confissão de pedido de propina
26/06/2025
(Foto: Reprodução) Zé Carlos (PSB) confessou ter se envolvido em esquema de corrupção passiva na Câmara de Campinas. g1 explica como funciona o acordo de persecução penal e quais as regras. O vereador de Campinas Zé Carlos (PSB)
Câmara de Campinas
O acordo de não persecução penal firmado entre o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e o vereador de Campinas (SP) Zé Carlos (PSB) extinguiu a punibilidade do parlamentar na investigação sobre corrupção passiva na Câmara da metrópole, quando ele era presidente da Casa. À Promotoria, o político confessou que pediu propina na negociação de contratos do Legislativo.
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A apuração do MP, que veio à tona em 2022, envolveu uma operação na casa do parlamentar, áudios que embasaram a denúncia e evidenciaram o pedido de propina, o qual Zé Carlos confessou posteriormente, e um pedido de Comissão Processante (CP) no Legislativo que foi arquivado.
O acordo de não persecução penal é um instituto despenalizador incorporado ao código penal por meio do Pacote Anticrime, sancionado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro no âmbito da lei 13.964/2019, e que evita que o investigado seja processado, por meio de critérios a serem cumpridos e avaliação do Ministério Público de que, mesmo com ele, houve reprovação e prevenção do crime.
O g1 mostra abaixocomo funciona o acordo, quais são as implicações e regras para que ele aconteça, como fica agora o caso na esfera cível e se há algum impacto na função de Zé Carlos como vereador.
Como funciona o acordo de não persecução penal?
O acordo pode ser firmado entre o Ministério Público e o investigado, orientado pelo advogado, mediante cumprimento dos seguintes critérios:
A investigação não ter sido arquivada;
Haver uma confissão formal da prática;
O crime não ter sido realizado com violência ou grave ameaça;
Pena inferior a 4 anos;
Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima;
Pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;
Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Entretanto, o cumprimento dos critérios é uma etapa do processo de elaboração do acordo, e não o fim.
Advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Processual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, Salvador Scarpelli Neto afirmou ao g1 que, além dos requisitos, o Ministério Público, antes de aceitar, faz um juízo de valor de que aquele acordo e a reparação do dano são compatíveis com a prática cometida e que a repressão ao crime aconteceu.
"Não é só uma estratégia de defesa. Isso passa por um juízo ministerial. Não é um direito subjetivo do acusado. É um dever do Ministério Público valorar e fundamentar o por quê aquele acordo é suficiente para a prevenção e reprovação do crime. Então, nesse caso, o Ministério Público entendeu que fazia sentido o acordo e ele tem toda a prerrogativa e gabarito para o fazer", afirmou.
O acordo foi feito no dia 10 de junho, mas o g1 teve acesso às informações na quarta-feira (25). Zé Carlos e o ex-secretário de relações institucionais da Câmara de Campinas, Rafael Creato, eram investigados por corrupção passiva desde 2022.
A decisão prevê que o vereador pague 100 salários mínimos de prestação pecuniária, em 15 parcelas, totalizando R$ 151,8 mil.
Já Rafael Creato fará o pagamento de 30 salários mínimos, em 12 parcelas, um total de R$ 45,450 mil. No acordo, Zé Carlos afirmou que a propina pedida era destinada a ele próprio.
Ainda segundo Salvador Scarpelli Neto, se o vereador descumprir as determinações ele pode ser denunciado, mas a confissão não pode ser usada contra ele, porque ela foi feita no contexto do acordo.
"É um instituto previsto no ordenamento jurídico. Não é impunidade, porque existe um reparo à prática mesmo assim", completou.
A entrada da Câmara dos Vereadores, em Campinas
Câmara Municipal de Campinas
E no Legislativo? Como fica?
No âmbito do Legislativo, um vereador só pode ser ter o mandato cassado se for alvo de uma Comissão Processante dentro da Casa. Para isso, o relatório precisa indicar a cassação e o documento tem que ser aprovado por 2/3 dos 33 vereadores.
No momento, não há nenhuma CP contra Zé Carlos na Câmara. Caso seja realizado algum pedido, a promotoria jurídica analisa se o pedido atende aos requisitos e, se atender, ele é votado no plenário.
O que diz a defesa?
O g1 entrou em contato com o vereador Zé Carlos por telefone, que informou que questionamentos deveriam ser feitos ao advogado dele.
O advogado Ralph Tórtima Stettinger Filho, que representa Zé Carlos, informou que não irá se manifestar em respeito ao sigilo judicial vigente, mas esclarece que o vereador não foi e não será processado em razão desses fatos.
Já o advogado Haroldo Cardella, que faz a defesa de Creato, reforçou que o ex-secretário obteve o acordo por preencher todos os requisitos legais, e reforçou que o acordo tem caráter sigiloso.
Em agosto de 2023, Zé Carlos depôs ao MP sobre o esquema de propina pela primeira vez e negou a acusação.
Após o depoimento, o vereador afirmou que respondeu todas as questões, esclareceu dúvidas do Gaeco e alegou ter feito uma “gestão de sucesso” à frente da presidência da Câmara ao mencionar valores de orçamento devolvidos à prefeitura.
O que dizia a investigação?
Em 17 de agosto de 2022, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) deflagrou uma operação contra corrupção passiva e cumpriu mandados na Câmara de Campinas, além da casa do parlamentar e endereços.
A alegação do MP era de que Zé Carlos, que à época era presidente da Casa, exigia vantagens pessoais para fazer ou renovar contratos com prestadores de serviços da Câmara. Entretanto, a Promotoria apurou que não houve pagamentos.
👇 Veja, ponto a ponto, o que dizia a denúncia:
O caso foi denunciado pelo empresário Celso Palma, proprietário de uma empresa de telecomunicações responsável por operar a TV Câmara;
Ao MP-SP, Palma informou que o ex-presidente do Legislativo e o ex-secretário solicitaram pagamento de propina para manter o contrato de prestação de serviços;
As reuniões convocadas pelos denunciados foram gravadas pelo empresário (ouça abaixo), que também entregou cópias de e-mails à promotoria;
Durante os encontros, Zé Carlos teria demonstrado preocupação de que Palma estivesse gravando a conversa, pedindo, inclusive, que o empresário retirasse o relógio e o celular e deixasse os itens no banheiro;
A partir das denúncias, o MP-SP deflagrou uma operação e cumpriu uma série de mandados de busca e apreensão, inclusive na Câmara e na casa do parlamentar.
Áudios
MP investiga presidente da Câmara de Campinas por suspeita de corrupção; ouça áudios
Áudios obtidos em setembro de 2023 com exclusividade pela EPTV, afiliada da TV Globo, que embasaram o Ministério Público a deflagrar a operação para apurar corrupção na Câmara, mostram Zé Carlos em conversas com prestadores de serviço para definir a continuidade de contratos. Ouça acima.
O vereador e Rafael Creato aparecem nos áudios. As conversas foram gravadas em janeiro de 2021 pelo dono de uma empresa que presta serviços para a Câmara e também estão transcritas em um relatório da Promotoria. O homem disse ao MP que foi pressionado a pagar propina para manter o contrato que ele tinha com o Legislativo. Veja abaixo:
Zé Carlos: "Eu tenho um tempo para fazer uma licitação, tenho 4 meses para fazer uma licitação, eu não quero fazer se você me ajudar".
Empresário: "Claro, eu tô aqui pra isso".
Zé Carlos: "Eu posso fazer essa licitação no ano que vem, se a gente não se acertar. Eu não quero prejudicar você. Eu quero saber onde nós podemos melhorar, onde nós podemos chegar, para a gente dar uma, temos que dar uma enxugada".
Em outro áudio, Rafael Creato afirma que Zé Carlos gostaria de saber qual seria a "contraprestração" para fazer a manutenção de um contrato.
Rafael Creato, ex-subsecretário de Relações Institucionais da Câmara
Reprodução/EPTV
Apurações na esfera civil
Na esfera civil, o MP ajuizou, em maio de 2023, ações civis públicas em que pedia à Justiça as condenações de Zé Carlos e Creato por improbidade administrativa e reparações por danos morais coletivos. Relembre aqui detalhes das ações e defesas dos envolvidos.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) informou que os processos tramitam sob segredo de justiça, portanto as informações e documentos nos autos são de acesso restrito às partes e advogados.
Em 3 de maio de 2023, a Câmara de Campinas rejeitou a abertura de Comissão Processante (CP) que poderia terminar na cassação do mandato de Zé Carlos (PSB).
Zé Carlos oficializou o pedido de afastamento da presidência em 31 de outubro de 2022. Já o ex-subsecretário Rafael Creato já havia pedido exoneração do cargo no Legislativo e a saída foi publicada em 27 de setembro do mesmo ano no Diário Oficial, diz a assessoria da Câmara.
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